domingo, 22 de janeiro de 2012

A REFORMA DO CÓDIGO PENAL (XI)

NOVA DEFINIÇÃO LEGAL DO
DOLO EVENTUAL (Primeira Parte)
 Código Penal, art. 18, I.
 
"Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco consentindo em produzi-lo"

JUSTIFICAÇÃO

(1)    A orientação do Código Penal e a lição de Nélson Hungria
       Comentando o art. 15, nº 1 do Código Penal, em sua redação origina[1],  Nélson Hungria, o coordenador dos trabalhos do Código Penal de 1940 e o seu mais autorizado intérprete,  observa: "Assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir prèviamente no resultado, caso venha este, realmente a ocorrer. Pela leitura da Exposição de motivos, não padece dúvida que o Código adotou a teoria do consentimento. Diz o ministro Campos: 'Segundo o preceito do art. 15, nº I, o dolo (que é a mais grave forma de culpabilidade) existe não só quando o agente quer diretamente o resultado (effectus scelerisQ, (sic) como quando assume o risco de produzi-lo. O dolo eventual é, assim, plenamente equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interêsse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento"[2].   

(2)    Os limites entre a culpa consciente e o dolo eventual
        É oportuno repetir as palavras do mestre quando sustenta que a caracterização do dolo eventual exige, por parte do agente, uma ratificação prévia, uma anuência ao seu evento. É elementar a necessidade desse elemento subjetivo pois em caso contrário a conduta caracterizaria a culpa consciente, definida como a culpa com previsão. É oportuno citar a lição do mestre Aníbal Bruno: "A forma típica da culpa é a culpa inconsciente, em que o resultado previsível não é previsto pelo agente. É a culpa sem previsão. Ao lado desta, Construiu a doutrina  a chamada culpa consciente, em que o resultado é previsto pelo agente, embora este sinceramente espere que ele não aconteça. A culpa com previsão representa um passo mais de culpa simples para o dolo. É uma linha quase imponderável que a delimita do dolo eventual. Neste, o agente não quer o resultado, mas aceita o risco de produzi-lo. Na culpa com previsão, nem esta aceitação dos risco existe, o agente espera que o evento não ocorra"[3].    

       Conforme os ensinamentos de Taipa de Carvalho e Rogério Greco, referidos por Silva Franco [4] "o desajuste entre a culpa consciente e o dolo eventual encontra-se no plano volitivo. ‘O que é decisivo para a afirmação de um tipo de ilícito doloso é que o agente, que representa a possibilidade de a sua conduta realizar um facto descrito num tipo legal, aceite correr esse risco. Se este risco se vem a concretizar na realização do cato típico, pode afirmar-se que entre o agente e este seu facto há  uma conexão psicológico-volitiva, suficiente para a afirmação do dolo' (Americo Taipa  de Carvalho. Idem, p. 136). Além disso, na culpa consciente, o agente sinceramente acredita  que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer , pouco importa' (Rogerio Greco. Idem, p. 218)" [5]. 
    No mesmo sentido, Nucci, ao observar que a culpa com previsão ocorre "quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado  lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado"[6].    
    Mais uma vez é oportuno rememorar Hungria: "Se o agente prevê o resultado mais grave, mas não aquiesce no seu advento, o quid pluris é imputável a título de culpa (consciente), embora com pena especialmente agravada; se, ao contrário, prevê e aprova o resultado mais grave, o que se dá é o dolo eventual (...)"[7].

 (3)    A afirmação do dolo eventual por mera presunção
       A classificação do evento como crime doloso, na falta de elementos concretos de avaliação da conduta tem sido ditada pela presunção, contrariando norma secular  do Código Criminal do Império (1830):"Nenhuma presumpção, por mais vehemente que seja, dará motivo para imposição de pena." (art. 66).
    Com a autoridade de membro do Ministério Público estadual de segundo grau no Rio Grande do Sul, o prestigiado mestre Lenio Streck, em obra específica sobre o Júri, observa: "Isso significa dizer que a figura do dolo eventual não deve ser utilizada como pedagogia ou remédio contra a violência no trânsito. (...) Não se resolverá o problema do trânsito mediante o ‘enquadramento' dos infratores no dolo eventual"[8].
    A jurisprudência dos tribunais registra inúmeros precedentes no sentido de que a embriaguez do motorista e/ou o excesso de velocidade, por si sós, não são elementos suficientes de convicção para o reconhecimento do dolo eventual. É oportuno referir:    (...) O emprego de alta velocidade, por si só,  não caracteriza ‘racha' e, por conseguinte, dolo eventual, mas, sim, quebra do dever objetivo de cuidado."[9]
    Esse também é o entendimento de várias outras Cortes estaduais: RS[10], DF[11], SC[12], SP[13], ES[14], MT[15], MA[16] e RN[17].
    Paradigmas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça são, também, muito eloquentes com o destaque do grau de jurisdição das decisões
 "DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE. 1. O DOLO EVENTUAL DO ART. 15, I, IN FINE, DO CÓDIGO PENAL, PRESSUPOE CONSCIENCIA E ANUENCIA DO AGENTE, AINDA QUANDO NÃO QUEIRA O RESULTADO. 2. DOLO EVENTUAL CONFINA-SE, MAS NÃO SE CONFUNDE COM A CULPA CONSCIENTE, NA QUAL, PREVENDO OU DEVENDO PREVER O RESULTADO, O AGENTE ESPERA LEVIANAMENTE QUE ELE NÃO SE REALIZE. 3. A EMBRIAGUEZ, SEJA VOLUNTÁRIA OU CULPOSA, POR SI SÓ NÃO CARACTERIZA O DOLO EVENTUAL(...)"[18]
(...)

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